O QUE É A VIDA
FELIZ?
COMO SER FELIZ?
Pode-se
afirmar que a ética na filosofia grega antiga se preocupou intensamente com a
formação do homem de caráter virtuoso. Aliás, mesmo na literatura grega, de
Homero até as peças trágicas, esbarramos a todo instante com elementos ligados
à virtude, como a coragem, o discernimento e a ação considerada justa. Também,
na concepção grega de modo geral, o comportamento ético teria que estar
intimamente ligado à felicidade - eudaimonia
(eudaimonia)
em grego -, pois a felicidade pode ser considerada o maior bem humano. A
felicidade é o maior bem humano porque é um bem, digamos, não
instrumentalizável; é um bem que não é um meio para outro ou outros bens.
Aristóteles (384 – 322 a.C) nos mostra na sua obra Ética a Nicômacos que muitas pessoas confundem felicidade com, por
exemplo, ter dinheiro ou ter prazeres. Todavia, se perguntarmos o porquê de
alguém querer ter dinheiro ou prazeres, a resposta se encaminha para ideia de
que esses – dinheiro e prazeres – servem como meios para se conseguir a
felicidade. Não parece fazer sentido alguém querer o dinheiro como sendo um fim
em si mesmo.
No caso dos prazeres, pode-se utilizar o argumento análogo ao do dinheiro. Ou seja, ter prazer é bom porque isso nos proporciona uma sensação de bem estar que torna a vida mais feliz; não parece fazer sentido buscar o prazer porque isso torna a vida pior. Todavia, a argumentação aristotélica, e da filosofia grega de modo geral, aponta para a ideia de que os prazeres sensíveis não estruturam a verdadeira felicidade, pois o ser humano possui a capacidade racional que o distingue do resto dos animais. Assim, para Aristóteles, a busca pela felicidade é uma busca pelo aprimoramento racional. Por conta disso, é impossível que loucos e crianças sejam capazes de alcançar a vida feliz, pois eles não possuem a capacidade racional totalmente desenvolvida. Similarmente, alguém que confunde os prazeres do álcool com a vida feliz não estaria usando adequadamente as suas faculdades racionais.
Como
percebido, a ética aristotélica, que também pode ser chamada de ética das
virtudes, foca muito interesse na disposição de caráter do indivíduo. Assim, na
concepção aristotélica, ser ético significa ser um agente virtuoso e ser
virtuoso significa possuir certa disposição de caráter. Não por acaso, Aristóteles
escreveu bastante sobre a disposição de caráter do virtuoso. Apontaremos apenas
três elementos gerais: o virtuoso é aquele que pratica boas ações, as quais são
encaminhadas pelo comportamento justo, o qual nem sempre atende aos interesses
muito particulares do agente; também, o virtuoso possui uma boa educação não só
no sentido do conhecimento escolar e do conhecimento metafísico, mas também no
sentido da educação cívica, essa última
ligada ao que é o melhor para a pólis
ou cidade grega; por fim, o virtuoso cultiva bons hábitos, como ter uma vida
produtiva, a qual exige, por exemplo, dormir bem, cuidar da saúde, participar
da vida social e política da comunidade. Podemos acrescentar que Aristóteles
deu grande ênfase ao papel da amizade na construção de uma vida feliz. Disso,
podemos estabelecer que o virtuoso consegue aproximar bons amigos.
Analogamente, uma pólis virtuosa
consegue estabelecer elos de amizade política entre os cidadãos.
O
cerne dessa disposição de caráter parece se encontrar numa capacidade prática
racional conhecida como discernimento. Essa capacidade do virtuoso consegue
extrair de determinada situação os dados situacionais relevantes, com isso o
virtuoso é capaz de tomar a melhor decisão diante de uma situação. Aristóteles
insistiu na ideia de que o virtuoso possui uma sabedoria prática, moldada pela
experiência e pela disposição de caráter, algumas dessas disposições foram
apontadas acima. Podemos arriscar que o agente virtuoso, por possuir a
capacidade de reconhecer os dados situacionais, é capaz também de se colocar
dentro dessa situação, como sendo um elemento entre outros. Sendo assim, o
virtuoso sabe contrabalançar interesses próprios com aquilo que a situação
exige.
O
equilíbrio na tomada de determinada decisão também é uma das características do
virtuoso. Esse equilíbrio pode ser traduzido na ideia de que o virtuoso
compreende bem os extremos de uma situação, conseguindo extrair a decisão mais
acertada ante um evento. Na ética aristotélica, toda situação possui um “justo
meio”, o qual não é igual para todos. O justo meio é como se fosse uma sintonia
fina entre os dados da situação e os interesses do agente envolvido. Por
exemplo, num esporte coletivo qualquer (basquete, futebol, voleibol, rugby,
etc...) o objetivo do time é, invariavelmente, vencer. Todavia, apesar de ser
um objetivo comum, cada um dos membros da equipe tentará realizar esse objetivo
de formas diversas, levando em conta os talentos particulares de cada membro,
adequando-os às regras do jogo. Assim, numa disputa esportiva há diversos tipos
de jogador: há aquele que marca mais pontos, há aquele que defende bem, há
aquele que coordena as ações do jogo, há aquele que consegue irritar o
adversário, há aquele que sabe incentivar o companheiro em momentos complicados
e assim por diante, há aquele que consegue “burlar” as regras, etc... O
importantes é perceber que o jogador, digamos, virtuoso, o craque, sabe
compatibilizar seus talentos com as regras do jogo em prol da vitória do seu
time.
Sempre
é bom ressaltar que além do justo meio não ser igual para todos, a aplicação
desse justo meio não é feita a partir de uma espécie de cálculo matemático o
qual indicará uma espécie de média aritmética. Dependendo da situação, a melhor
resposta estará justamente em um dos extremos. Não obstante, para se chegar a
essa resposta, o virtuoso conhece também o outro extremo da situação.
Para
exemplificar, podemos imaginar o que seria o guerreiro virtuoso. Tentando nos
aproximar do estabelecido por Aristóteles, podemos imaginar que numa situação
de guerra, há duas atitudes diametralmente opostas que costumam aparecer: uma a
do guerreiro temerário que é movido pelo desejo de pelejar, mesmo que isso
ponha desnecessariamente a sua vida em risco; a outra é a do guerreiro covarde
que, pelo contrário, não quer participar de uma luta campal em que sua vida
será colocada em risco. Assim, temos duas atitudes que se encontram nos
extremos de uma situação de batalha: o temerário possui uma atitude excessiva
com relação a uma guerra; por outro lado, o covarde possui uma atitude de
falta. Entre esses dois, se encontra o corajoso. A virtude da coragem mostra ao
guerreiro virtuoso que atitude tomar numa situação de conflito; em algumas
batalhas, é melhor ser temerário e avançar com toda força para cima do inimigo;
mas em outras batalhas, é melhor ter uma atitude mais acovardada para evitar a
derrota total, ou visando voltar com mais força numa oportunidade futura. Importante ressaltar que apesar da aparência de temeridade ou covardia, o guerreiro virtuoso sempre age de acordo com a coragem; ou seja, o virtuoso é sempre um corajoso.
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