sábado, 2 de abril de 2011

HUMANIDADES NO ENSINO DE CIÊNCIAS: RUMOS PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS


Podemos afirmar que a relação entre a História e a atividade científica ficou mais clara com a publicação de “A estrutura das revoluções científicas”, obra já clássica escrita pelo norte americano THOMAS KUHN em 1962. Apesar dessa obra ainda hoje causar muita polêmica, Kuhn parece ter conseguido mostrar que as fronteiras entre o contexto de descoberta e o contexto de justificação científicos são mais complexas e problemáticas do que parece “prima facie”.
Kuhn tentou mostrar que a construção do conhecimento científico envolve não apenas a atividade científica em si mesma, comumente mais relacionada com a atividade laboratorial e teórica. A atividade científica é algo extremamente complexo que envolve, por exemplo, matérias das ciências humanas, como a FILOSOFIA, a HISTÓRIA e a SOCIOLOGIA.
Atualmente, muitos profissionais do ensino aceitam que o ensino de ciências passa, ou deveria passar, por exemplo, pelo conhecimento e contextualização históricos. Esse movimento acontece por conta de dois motivos abrangentes e, em muitos aspectos, relacionados.
Primeiro. Muitos educadores e teóricos da ciência perceberam que o modelo positivista de ensino das ciências era insuficiente e, em muitos casos, incorria em erros grosseiros. O POSITIVISMO baseou seu ideário em quatro premissas: o conhecimento empírico, baseado na experiência, é o caminho correto para se atingir o Real; a natureza “mostra a sua face” por meio de uma coleta exaustiva de dados; o cientista é capaz de filtrar os dados naturais com total imparcialidade e a ciência é uma construção puramente objetiva.
No século XX, principalmente, muitos autores desconfiaram de uma imagem de natureza baseada na separação radical entre propriedades naturais e suas significações humanas, ou melhor, entre os dados fenomênicos naturais e as concepções que atribuímos a eles. Isso, conjuntamente com os trabalhos de Kuhn, abriu as portas para a ideia de que as teorias científicas são, muitas vezes, fundadas em idealizações e representações, o que, certamente, é contrário aos principais pontos de apoio do positivismo. Sendo assim, a assim chamada História das Idéias forneceria um quadro mais fiel de como se desenvolve a atividade científica, porque, justamente, o historiador aceita normalmente o subjetivismo que atua nas idealizações científicas.
Segundo. Muitas pesquisas apontam para o fato de que os estudantes secundaristas e universitários percebem a atividade científica como algo difícil, inútil e sem sentido. Isso acaba impedindo que os alunos vejam algum valor prático e mesmo cognitivo no aprendizado das ciências. Em grande medida, isso se deve ao massante uso de fórmulas e a uma falta de contextualização quando do aparecimento de determinada teoria científica.
Entender o conhecimento científico como montado por meio de representações ou idealizações significa mostrar que os cientistas são feitos de carne e osso e, portanto, erram algumas vezes, acertam noutras; possuem crenças, vontades e convicções; sofrem influências e podem influenciar a cultura de determinada época. Reconhecendo a complexidade desse conjunto de fatores, o estudante de ciências encontrará sentido, por exemplo, na lei da inércia. Ele saberá que o movimento retilíneo e uniforme de um corpo, sofrendo a ação de uma força externa, só faz sentido se considerarmos esse experimento uma idealização teórica, realizada, justamente, em condições ideais. O estudante entenderá mais facilmente que, por exemplo, questões ambientais estão intimamente relacionadas com a Química e que isso ajuda a entender o efeito poluidor do CO2. O aluno, assim, compreenderá que a atividade científica possui, sim, suas peculiaridades. Todavia e sobretudo, essa é uma atividade humana como qualquer outra, permeada por conflito de interesses, dogmas, preconceitos, dramas,  momentos epopéicos e muito trabalho.
Disso tudo, podemos concluir que os professores de ciências deveriam cultivar uma atitude multidisciplinar, no sentido de reconhecer que matérias como FILOSOFIA, HISTÓRIA e SOCIOLOGIA ajudam de fato na compreensão da construção do conhecimento, de modo geral, e da atividade científica, de modo mais específico.
Obviamente, essa atitude exigirá conhecimento abrangente e relativamente profundo de matérias que aparentemente não se cruzam. Esse conhecimento permitirá que o educador consiga manipular adequadamente determinado assunto em prol dum melhor entendimento por parte dos estudantes de ciências. Por exemplo, o aluno tanto melhor assimilará a formulação F=ma, quanto mais ele compreender a imagem de natureza que sustenta o termo “força” na metafísica newtoniana.
Por fim, nesse novo ideário, o professor não é mais percebido como uma figura oracular. Ele é percebido como alguém que realmente ouve as dúvidas e o senso comum dos estudantes. A aproximação da ciência com a História do desenvolvimento científico, exige, também, uma aproximação entre professor e aluno, visando principalmente a uma melhor comunicação que, por sua vez, robustecerá o espírito crítico de todos os envolvidos no processo educacional.