terça-feira, 18 de setembro de 2012

SOFÍSTICA


VERDADE E MENTIRA
PODE A VERDADE SER MANIPULADA?



I

O que é a verdade?
Essa pergunta tem orientado o trabalho filosófico desde o aparecimento da Filosofia na Grécia. Num primeiro momento, pode-se chegar facilmente à conclusão de que a verdade está fortemente relacionada com os fatos, com os fatos do mundo externo; melhor, a verdade tem que corresponder àquilo que de fato acontece ou aconteceu. Assim, para saber se a sentença “O livro de Filosofia está sobre a mesa” é verdadeira, seria necessário conferir se realmente o livro citado está em cima da mesa. Obviamente, o trabalho fica mais complicado quando se tenta analisar fatos pretéritos e também fatos futuros. O primeiro diz respeito, por exemplo, ao conhecimento histórico; já o segundo estrutura questões caras ao conhecimento científico. Assim, para alcançar algumas verdades sobre o descobrimento do Brasil, se faz necessário um trabalho de pesquisa histórico que, evidentemente, não alcança o conhecimento direto do fato, já que esse faz parte do passado. Mesmo assim, há boas razões para supor que o conhecimento histórico é capaz de mostrar com relativa confiabilidade o que aconteceu no passado.
O conhecimento científico parece se apoiar na premissa de que há uma realidade sólida a qual, além de ser sempre verdadeira, estrutura leis da natureza que devem servir de base para a pesquisa científica. Mas será que existem verdades tão inabaláveis que podem servir de índice de correção para se tentar conhecer o mundo? O autor desse texto crê que na pesquisa científica há como identificar mais claramente àquilo que poderíamos chamar de indícios de verdade. Por conta disso, a ciência comumente fecha a porta para certas teorias ou certos tipos de conhecimento, por conta, entre outros, desses falharem em se acomodar a esses indícios de verdade.
Todavia, parece ser bem mais complicado falar de verdade com relação ao conhecimento moral. Ou seja, é possível estabelecer um comportamento ético o qual todos os seres racionais devem seguir, pois esse comportamento é supostamente o que define melhor a verdade moral que os homens de bem devem almejar? Um dos entraves para uma resposta afirmativa para essa questão é de que muitos consideram que a verdade moral simplesmente não existe; melhor, a verdade moral universal e infalível é simplesmente um delírio filosófico.
Ao longo da história da Filosofia, muitos pensadores analisaram a questão da verdade ou do conhecimento verdadeiro. Por exemplo, um conjunto de pensadores, conhecidos pelo nome de sofistas, colocou em xeque o alcance do conhecimento verdadeiro no domínio moral. O que isso quer dizer? Quer dizer que o pensamento sofístico não acreditava que existisse um comportamento ético supostamente verdadeiro que pudesse orientar a ação de todos os homens. Em certo sentido, para os sofistas o ser humano é movido pelas suas conveniências, ou seja, a atitude correta está relacionada com o que cada um acha o que é melhor para a sua vida. Desse modo, não há como afirmar qual o comportamento verdadeiro para todos os seres humanos; não há como, por exemplo, estabelecer que o comportamento do altruísta é mais ético do que o do larápio, isso porque ambos são movidos por certas conveniências e interesses que lhe são próprios.
Obviamente, esse modo de encarar a moralidade parece abrandar o julgamento moral e até mesmo cria um certo espírito de tolerância, o que é sempre bem vindo no espaço político. Todavia, a percepção sofística acerca da moralidade também gera uma série de problemas e tensões que beiram o insuportável. Por exemplo, um dos problemas apontados diz respeito ao papel da responsabilidade quando se aproxima moralidade com conveniência. Ou seja, se a ação correta é aquela que é conveniente para determinado indivíduo, se torna impossível fazer qualquer julgamento moral, mesmo que esse indivíduo cometa algum ato reconhecidamente imoral como, por exemplo, roubar, matar ou enganar alguém. Outro problema também complexo é a questão do conflito de interesses. Nesse, sabemos que as pessoas e grupos humanos possuem interesses muitas vezes divergentes. Nesse caso, como conciliar os interesses de dois ou mais grupos se não há uma orientação moral que, ao menos, gere critérios minimamente razoáveis para diminuir o desacordo moral? Pense, por exemplo, num desacordo entre patrões e empregados. Se cada um dos grupos é movido exclusivamente por interesses próprios, fica difícil ou impossível perceber um acordo que acabe com esse conflito, restando apenas o jogo bruto.

II

Muitas vezes, os sofistas foram considerados os “caras maus” da Filosofia, ou até mesmo como sendo os anti-filósofos. Todavia, apesar de certas críticas feitas aos sofistas serem pertinentes, é necessário reconhecer que essa escola de pensamento filosófico trouxe muitas contribuições que até hoje se fazem presentes. Talvez, fosse mais justo rotular o pensamento sofístico como sendo não alinhado com as filosofias de Sócrates, Platão e Aristóteles, considerado o trio de ouro da Filosofia Antiga.
Historicamente, pode-se afirmar que o pensamento sofístico possui um forte apelo cosmopolita, no sentido de quebrar a ideia, ainda hoje fortemente arraigada, de que há culturas superiores a outras. Nesse sentido, o pensamento sofístico é importante para a arte política pois fermenta certa ideia de tolerância, como apontado no tópico I deste texto. Obviamente, a arte política está intimamente relacionada à retórica – ou arte do falar bem -, o que também orientou muitas das pesquisas dos sofistas. Além disso, o pensamento dos inimigos de Platão deu muita ênfase à educação, ou seja, à transmissão de conhecimento; mas é importante ressaltar que eles faziam isso em troca de dinheiro, o que era considerado inadmissível para Platão.
Também, é importante ressaltar que os sofistas possuíam certa preocupação em formar agentes preparados para lidar com o dia a dia das cidades, ou com o fazer político. Isso se deve ao surgimento e crescimento da “polis” grega naquela época. A estrutura das cidades exigiu uma nova forma de ver a dinâmica social, proporcionando um estudo mais específico na formação do cidadão. Por conta disso tudo, os sofistas constantemente iam contra o conhecimento tradicional, pois esse, de modo geral, teimava em manter vivas as antigas práticas sociais. Nesse sentido, pode-se afirmar que os sofistas trouxeram um tipo de saber que pode ser considerado inovador. Por constantemente irem contra o saber tradicional, pode-se afirmar também que os sofistas atacaram de frente o conhecimento mítico, pois esse é fortemente sustentado pela tradição e pelos costumes. Nesse sentido, os sofistas se aproximam do espírito crítico filosófico, por, entre outros, não aceitarem as verdades dogmáticas estruturadas pelo mito.
Pode-se afirmar que o principal representante da sofística nos tempos de Sócrates foi Protágoras (480 a.C – 410 a.C.). No pensamento de Protágoras pode-se perceber várias das características do pensamento sofístico. Uma importante característica a ser ressaltada é o caráter humanístico que subjaz a filosofia de Protágoras. O pensamento humanista, grosso modo, coloca o homem no centro dos sistemas de conhecimento; ou seja, todo o conhecimento só pode ser devidamente estruturado a partir das idiossincrasias das capacidades humanas. Numa concepção assim não há um mundo lá fora engendrado por causas alheias ou além do que pode conceber a mente humana, toda a realidade é engendrada a partir das prerrogativas humanas. Esse tipo de relativismo pode ser vislumbrado na seguinte frase atribuída a Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas, das que são como são e das que não são como não são. ”


                                                                        

                                                Busto de Protágoras

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