VERDADE E
MENTIRA
PODE A VERDADE
SER MANIPULADA?
I
O
que é a verdade?
Essa
pergunta tem orientado o trabalho filosófico desde o aparecimento da Filosofia
na Grécia. Num primeiro momento, pode-se chegar facilmente à conclusão de que a
verdade está fortemente relacionada com os fatos, com os fatos do mundo
externo; melhor, a verdade tem que corresponder àquilo que de fato acontece ou
aconteceu. Assim, para saber se a sentença “O livro de Filosofia está sobre a
mesa” é verdadeira, seria necessário conferir se realmente o livro citado está
em cima da mesa. Obviamente, o trabalho fica mais complicado quando se tenta
analisar fatos pretéritos e também fatos futuros. O primeiro diz respeito, por
exemplo, ao conhecimento histórico; já o segundo estrutura questões caras ao
conhecimento científico. Assim, para alcançar algumas verdades sobre o
descobrimento do Brasil, se faz necessário um trabalho de pesquisa histórico
que, evidentemente, não alcança o conhecimento direto do fato, já que esse faz
parte do passado. Mesmo assim, há boas razões para supor que o conhecimento
histórico é capaz de mostrar com relativa confiabilidade o que aconteceu no
passado.
O
conhecimento científico parece se apoiar na premissa de que há uma realidade
sólida a qual, além de ser sempre verdadeira, estrutura leis da natureza que
devem servir de base para a pesquisa científica. Mas será que existem verdades
tão inabaláveis que podem servir de índice de correção para se tentar conhecer
o mundo? O autor desse texto crê que na pesquisa científica há como identificar
mais claramente àquilo que poderíamos chamar de indícios de verdade. Por conta
disso, a ciência comumente fecha a porta para certas teorias ou certos tipos de
conhecimento, por conta, entre outros, desses falharem em se acomodar a esses
indícios de verdade.
Todavia,
parece ser bem mais complicado falar de verdade com relação ao conhecimento
moral. Ou seja, é possível estabelecer um comportamento ético o qual todos os
seres racionais devem seguir, pois esse comportamento é supostamente o que define
melhor a verdade moral que os homens de bem devem almejar? Um dos entraves para
uma resposta afirmativa para essa questão é de que muitos consideram que a
verdade moral simplesmente não existe; melhor, a verdade moral universal e
infalível é simplesmente um delírio filosófico.
Ao
longo da história da Filosofia, muitos pensadores analisaram a questão da
verdade ou do conhecimento verdadeiro. Por exemplo, um conjunto de pensadores,
conhecidos pelo nome de sofistas, colocou em xeque o alcance do conhecimento
verdadeiro no domínio moral. O que isso quer dizer? Quer dizer que o pensamento
sofístico não acreditava que existisse um comportamento ético supostamente
verdadeiro que pudesse orientar a ação de todos os homens. Em certo sentido,
para os sofistas o ser humano é movido pelas suas conveniências, ou seja, a
atitude correta está relacionada com o que cada um acha o que é melhor para a
sua vida. Desse modo, não há como afirmar qual o comportamento verdadeiro para
todos os seres humanos; não há como, por exemplo, estabelecer que o
comportamento do altruísta é mais ético do que o do larápio, isso porque ambos
são movidos por certas conveniências e interesses que lhe são próprios.
Obviamente,
esse modo de encarar a moralidade parece abrandar o julgamento moral e até
mesmo cria um certo espírito de tolerância, o que é sempre bem vindo no espaço
político. Todavia, a percepção sofística acerca da moralidade também gera uma
série de problemas e tensões que beiram o insuportável. Por exemplo, um dos
problemas apontados diz respeito ao papel da responsabilidade quando se
aproxima moralidade com conveniência. Ou seja, se a ação correta é aquela que é
conveniente para determinado indivíduo, se torna impossível fazer qualquer
julgamento moral, mesmo que esse indivíduo cometa algum ato reconhecidamente
imoral como, por exemplo, roubar, matar ou enganar alguém. Outro problema
também complexo é a questão do conflito de interesses. Nesse, sabemos que as
pessoas e grupos humanos possuem interesses muitas vezes divergentes. Nesse
caso, como conciliar os interesses de dois ou mais grupos se não há uma
orientação moral que, ao menos, gere critérios minimamente razoáveis para
diminuir o desacordo moral? Pense, por exemplo, num desacordo entre patrões e
empregados. Se cada um dos grupos é movido exclusivamente por interesses
próprios, fica difícil ou impossível perceber um acordo que acabe com esse
conflito, restando apenas o jogo bruto.
II
Muitas
vezes, os sofistas foram considerados os “caras maus” da Filosofia, ou até
mesmo como sendo os anti-filósofos. Todavia, apesar de certas críticas feitas
aos sofistas serem pertinentes, é necessário reconhecer que essa escola de
pensamento filosófico trouxe muitas contribuições que até hoje se fazem
presentes. Talvez, fosse mais justo rotular o pensamento sofístico como sendo
não alinhado com as filosofias de Sócrates, Platão e Aristóteles, considerado o
trio de ouro da Filosofia Antiga.
Historicamente,
pode-se afirmar que o pensamento sofístico possui um forte apelo cosmopolita,
no sentido de quebrar a ideia, ainda hoje fortemente arraigada, de que há
culturas superiores a outras. Nesse sentido, o pensamento sofístico é
importante para a arte política pois fermenta certa ideia de tolerância, como
apontado no tópico I deste texto. Obviamente, a arte política está intimamente
relacionada à retórica – ou arte do falar bem -, o que também orientou muitas
das pesquisas dos sofistas. Além disso, o pensamento dos inimigos de Platão deu muita
ênfase à educação, ou seja, à transmissão de conhecimento; mas é importante
ressaltar que eles faziam isso em troca de dinheiro, o que era considerado
inadmissível para Platão.
Também,
é importante ressaltar que os sofistas possuíam certa preocupação em formar
agentes preparados para lidar com o dia a dia das cidades, ou com o fazer
político. Isso se deve ao surgimento e crescimento da “polis” grega naquela
época. A estrutura das cidades exigiu uma nova forma de ver a dinâmica social,
proporcionando um estudo mais específico na formação do cidadão. Por conta
disso tudo, os sofistas constantemente iam contra o conhecimento tradicional,
pois esse, de modo geral, teimava em manter vivas as antigas práticas sociais.
Nesse sentido, pode-se afirmar que os sofistas trouxeram um tipo de saber que
pode ser considerado inovador. Por constantemente irem contra o saber
tradicional, pode-se afirmar também que os sofistas atacaram de frente o
conhecimento mítico, pois esse é fortemente sustentado pela tradição e pelos costumes.
Nesse sentido, os sofistas se aproximam do espírito crítico filosófico, por,
entre outros, não aceitarem as verdades dogmáticas estruturadas pelo mito.
Pode-se
afirmar que o principal representante da sofística nos tempos de Sócrates foi
Protágoras (480 a.C – 410 a.C.). No pensamento de Protágoras pode-se perceber
várias das características do pensamento sofístico. Uma importante
característica a ser ressaltada é o caráter humanístico que subjaz a filosofia
de Protágoras. O pensamento humanista, grosso modo, coloca o homem no centro
dos sistemas de conhecimento; ou seja, todo o conhecimento só pode ser
devidamente estruturado a partir das idiossincrasias das capacidades humanas.
Numa concepção assim não há um mundo lá fora engendrado por causas alheias ou
além do que pode conceber a mente humana, toda a realidade é engendrada a
partir das prerrogativas humanas. Esse tipo de relativismo pode ser vislumbrado
na seguinte frase atribuída a Protágoras: “O homem é a medida de todas as
coisas, das que são como são e das que não são como não são. ”
Busto de Protágoras
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