quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A ÉTICA DAS VIRTUDES


O QUE É A VIDA FELIZ?
COMO SER FELIZ?

Pode-se afirmar que a ética na filosofia grega antiga se preocupou intensamente com a formação do homem de caráter virtuoso. Aliás, mesmo na literatura grega, de Homero até as peças trágicas, esbarramos a todo instante com elementos ligados à virtude, como a coragem, o discernimento e a ação considerada justa. Também, na concepção grega de modo geral, o comportamento ético teria que estar intimamente ligado à felicidade - eudaimonia (eudaimonia) em grego -, pois a felicidade pode ser considerada o maior bem humano. A felicidade é o maior bem humano porque é um bem, digamos, não instrumentalizável; é um bem que não é um meio para outro ou outros bens. Aristóteles (384 – 322 a.C) nos mostra na sua obra Ética a Nicômacos que muitas pessoas confundem felicidade com, por exemplo, ter dinheiro ou ter prazeres. Todavia, se perguntarmos o porquê de alguém querer ter dinheiro ou prazeres, a resposta se encaminha para ideia de que esses – dinheiro e prazeres – servem como meios para se conseguir a felicidade. Não parece fazer sentido alguém querer o dinheiro como sendo um fim em si mesmo.

                                                                                                Busto de Aristóteles

No caso dos prazeres, pode-se utilizar o argumento análogo ao do dinheiro. Ou seja, ter prazer é bom porque isso nos proporciona uma sensação de bem estar que torna a vida mais feliz; não parece fazer sentido buscar o prazer porque isso torna a vida pior. Todavia, a argumentação aristotélica, e da filosofia grega de modo geral, aponta para a ideia de que os prazeres sensíveis não estruturam a verdadeira felicidade, pois o ser humano possui a capacidade racional que o distingue do resto dos animais. Assim, para Aristóteles, a busca pela felicidade é uma busca pelo aprimoramento racional. Por conta disso, é impossível que loucos e crianças sejam capazes de alcançar a vida feliz, pois eles não possuem a capacidade racional totalmente desenvolvida. Similarmente, alguém que confunde os prazeres do álcool com a vida feliz não estaria usando adequadamente as suas faculdades racionais.
Como percebido, a ética aristotélica, que também pode ser chamada de ética das virtudes, foca muito interesse na disposição de caráter do indivíduo. Assim, na concepção aristotélica, ser ético significa ser um agente virtuoso e ser virtuoso significa possuir certa disposição de caráter. Não por acaso, Aristóteles escreveu bastante sobre a disposição de caráter do virtuoso. Apontaremos apenas três elementos gerais: o virtuoso é aquele que pratica boas ações, as quais são encaminhadas pelo comportamento justo, o qual nem sempre atende aos interesses muito particulares do agente; também, o virtuoso possui uma boa educação não só no sentido do conhecimento escolar e do conhecimento metafísico, mas também no sentido da educação  cívica, essa última ligada ao que é o melhor para a pólis ou cidade grega; por fim, o virtuoso cultiva bons hábitos, como ter uma vida produtiva, a qual exige, por exemplo, dormir bem, cuidar da saúde, participar da vida social e política da comunidade. Podemos acrescentar que Aristóteles deu grande ênfase ao papel da amizade na construção de uma vida feliz. Disso, podemos estabelecer que o virtuoso consegue aproximar bons amigos. Analogamente, uma pólis virtuosa consegue estabelecer elos de amizade política entre os cidadãos.
O cerne dessa disposição de caráter parece se encontrar numa capacidade prática racional conhecida como discernimento. Essa capacidade do virtuoso consegue extrair de determinada situação os dados situacionais relevantes, com isso o virtuoso é capaz de tomar a melhor decisão diante de uma situação. Aristóteles insistiu na ideia de que o virtuoso possui uma sabedoria prática, moldada pela experiência e pela disposição de caráter, algumas dessas disposições foram apontadas acima. Podemos arriscar que o agente virtuoso, por possuir a capacidade de reconhecer os dados situacionais, é capaz também de se colocar dentro dessa situação, como sendo um elemento entre outros. Sendo assim, o virtuoso sabe contrabalançar interesses próprios com aquilo que a situação exige.
O equilíbrio na tomada de determinada decisão também é uma das características do virtuoso. Esse equilíbrio pode ser traduzido na ideia de que o virtuoso compreende bem os extremos de uma situação, conseguindo extrair a decisão mais acertada ante um evento. Na ética aristotélica, toda situação possui um “justo meio”, o qual não é igual para todos. O justo meio é como se fosse uma sintonia fina entre os dados da situação e os interesses do agente envolvido. Por exemplo, num esporte coletivo qualquer (basquete, futebol, voleibol, rugby, etc...) o objetivo do time é, invariavelmente, vencer. Todavia, apesar de ser um objetivo comum, cada um dos membros da equipe tentará realizar esse objetivo de formas diversas, levando em conta os talentos particulares de cada membro, adequando-os às regras do jogo. Assim, numa disputa esportiva há diversos tipos de jogador: há aquele que marca mais pontos, há aquele que defende bem, há aquele que coordena as ações do jogo, há aquele que consegue irritar o adversário, há aquele que sabe incentivar o companheiro em momentos complicados e assim por diante, há aquele que consegue “burlar” as regras, etc... O importantes é perceber que o jogador, digamos, virtuoso, o craque, sabe compatibilizar seus talentos com as regras do jogo em prol da vitória do seu time.
Sempre é bom ressaltar que além do justo meio não ser igual para todos, a aplicação desse justo meio não é feita a partir de uma espécie de cálculo matemático o qual indicará uma espécie de média aritmética. Dependendo da situação, a melhor resposta estará justamente em um dos extremos. Não obstante, para se chegar a essa resposta, o virtuoso conhece também o outro extremo da situação.
Para exemplificar, podemos imaginar o que seria o guerreiro virtuoso. Tentando nos aproximar do estabelecido por Aristóteles, podemos imaginar que numa situação de guerra, há duas atitudes diametralmente opostas que costumam aparecer: uma a do guerreiro temerário que é movido pelo desejo de pelejar, mesmo que isso ponha desnecessariamente a sua vida em risco; a outra é a do guerreiro covarde que, pelo contrário, não quer participar de uma luta campal em que sua vida será colocada em risco. Assim, temos duas atitudes que se encontram nos extremos de uma situação de batalha: o temerário possui uma atitude excessiva com relação a uma guerra; por outro lado, o covarde possui uma atitude de falta. Entre esses dois, se encontra o corajoso. A virtude da coragem mostra ao guerreiro virtuoso que atitude tomar numa situação de conflito; em algumas batalhas, é melhor ser temerário e avançar com toda força para cima do inimigo; mas em outras batalhas, é melhor ter uma atitude mais acovardada para evitar a derrota total, ou visando voltar com mais força numa oportunidade futura. Importante ressaltar que apesar da aparência de temeridade ou covardia, o guerreiro virtuoso sempre age de acordo com a coragem; ou seja, o virtuoso é sempre um corajoso. 





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