quarta-feira, 14 de agosto de 2019

A ESCOLA METÓDICA RANKEANA E O POSITIVISMO - PARTE II


A ESCOLA METÓDICA RANKEANA E O POSITIVISMO - PARTE II


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Resolvi dividir a postagem atual em duas partes por três motivos: 
- deixar a postagem mais "enxuta", visando não espantar tanto quem se desanima rapidamente com textos mais longos; 
- a "Sexta Exigência" exige um maior esforço, digamos, filosófico e creio que uma sensibilidade histórica um pouco mais apurada. Por conta desses, a Sexta Exigência demandou um texto maior; 
- dar mais tempo para eu pensar sobre uma próxima postagem que, provavelmente, será ainda sobre Filosofia da História. 

Vamos, então, à Sexta Exigência...


SEXTA EXIGÊNCIA 

O historiador deve ter uma compreensão da totalidade. Essa compreensão está baseada no nexo causal. Pelo nexo causal é possível perceber a sequência de condições que tornam um fator possível por intermédio de outro fator. Essa percepção leva à ideia de que há uma totalidade nos eventos históricos. Ranke relaciona essa totalidade a algumas ideias de cunho metafísico: vir-a-ser, ser-eficiente, fazer-se valer, um desvanecer-se. 
Tentando explicar essa exigência, Ranke argumenta que a história de um povo não é igual a todos os elementos individuais de suas manifestações vivas. A história de um povo é o conjunto de seu processo de desenvolvimento, de seus feitos, de suas instituições, de sua literatura... Para capturar esse "processo de desenvolvimento" é necessária uma investigação rigorosa, um aprendizado lento com a utilização de documentos.
Interessante notar que Ranke reconhece que a realização da exigência da totalidade é "tarefa impossível". Ele arremata essa impossibilidade com a seguinte frase: "Somente Deus conhece integralmente a história universal."

Vistas as seis exigências acima elencadas, fica mais fácil perceber porque Ranke considera a história uma arte. Para o historiador alemão, a história é diferente das demais ciências porque ela é, simultaneamente, uma arte. A história é ciência porque ela recolhe, descobre, analisa em profundidade. A história é arte porque ela representa e torna a dar forma ao que foi descoberto e apreendido pelo historiador; resumindo, a pesquisa histórica tem a capacidade de recriação.
Enquanto ciência, a História se aproxima da filosofia; enquanto arte, a História se aproxima da poesia. Todavia, enquanto a Filosofia e a Poesia navegam no plano das ideias, a História não pode prescindir do plano do real. Desse modo, a História associa Filosofia e Poesia de modo muito peculiar. Assim, para Ranke a Filosofia e a Poesia se orientam por algo ideal, já a História possui um dos seus pés fincado no plano ideal e outro pé fincado no plano da realidade.
Não é incomum associar a Escola Metódica Rankeana com o positivismo. A aproximação com o positivismo se faz porque Ranke defende um tipo de explicação histórica que leva em conta as leis que existem no espírito do historiador como vimos na segunda exigência. Embora seja um tanto injusto afirmar que Ranke seja um positivista radical, não parece ser injusto afirmar que o historiador alemão entendia a pesquisa histórica como científica em muitos aspectos. Assim, o positivismo rankeano está relacionado a alguns aspectos que tentaremos resumidamente elencar.
 No positivismo radical, a explicação histórica não é essencialmente diferente daquilo que faz o físico, o biólogo ou o químico.  Não há, nesse sentido, uma descontinuidade radical entre o fazer histórico e o que faz o físico, por exemplo.  Importante ressaltar que a Física tem sido considerada o modelo de ciência desde a Revolução Científica na modernidade. 
 A explicação científica possui variados níveis de refinamento e de verdade.  Todavia, de maneira geral, pode-se afirmar que a ciência busca explicações universais baseadas em leis empíricas que comprovam as particularidades dos fenômenos naturais.  Idealmente, essa maneira de encarar o conhecimento é dedutiva.  O método dedutivo tem a seguinte estrutura: 

Premissa 1 - Todo homem é mortal.   (Todo "A" é "B")
Premissa 2 - Sócrates é um homem.   ("C" é "A" )
Conclusão - Logo, Sócrates é mortal.  (Logo, "C"'é "B")

 Numa dedução, a conclusão advém logicamente das condições antecedentes ou premissas; essas premissas se combinam com certos dados empiricamente verificáveis,  estruturando leis gerais.  Tentando fazer um paralelo de como a dedução científica se aplicaria à explicação de tipo histórica, podemos contar o seguinte exemplo: 
Suponha a queda de uma telha qualquer. Se quero explicar a queda de uma telha, devo referir-me à Lei Geral da Gravitação e, também, à condição antecedente de que a telha, infelizmente, estava sem apoio. 
 Suponha, agora, que se queira explicar a  Revolução Francesa.  Se quero explicar essa Revolução, devo referir-me a alguma lei geral e, também, a alguma condição antecedente que fez eclodir a Revolução.  Uma lei geral, nesse caso, seria algo do tipo: as pessoas buscam melhorar a sua vida.  A condição antecedente seria algo do tipo: o povo estava insatisfeito com o rei Luis XVI.
Segundo Carl Hempel, filósofo alemão da ciência:
 "A explicação histórica busca, igualmente, mostrar que o acontecimento em causa não decorreu do "acaso", mas era de se esperar, em razão de certas condições antecedentes ou sincrônicas. Isso, era de se esperar, não corresponde à profecia ou adivinhação, mas uma racional antecipação científica, baseada na admissão de leis gerais." (The Functions of General Laws in History).
A partir da citação acima, podemos reforçar a ideia de que o objetivista defende a existência de uma ligação lógica ou conceitual entre as leis e a explicação histórica. 
Parece claro que a aplicação da fórmula dedutiva remete à ideia de que os eventos históricos são necessários. Por isso,  Hempel não aceita a ideia de que os acontecimentos históricos sejam contingentes ou decorram do acaso. 
Uma maneira radical de afastar essas possibilidades é afirmar que o evento histórico "X" qualquer tinha que ocorrer, ou seja, que ele aconteceu necessariamente.  É isso que o requisito dedutivo da explicação científica assegura. Também, objetivistas a la Hempel acrescentariam que esse requisito só pode ser satisfeito por meio de leis gerais. 
Não é forçoso concluir que a ideia da existência de leis gerais nos eventos históricos possui um papel fundamental no tipo de explicação positivista.  Todavia, esse tipo de explicação histórica baseada em leis gerais não parece estar de acordo com a prática do historiador.  Em verdade, a grande maioria dos historiadores nunca se referem a leis gerais quando explicam os acontecimentos históricos; e, na vasta maioria dos casos, é mesmo de se duvidar que eles estejam em condições de fornecer alguma lei geral que "cole"' necessariamente os eventos históricos.   Desse modo, parece duvidoso pensar que a explicação do tipo histórica seja universal e necessariamente verdadeira  para qualquer mundo possível.  As generalizações históricas, quando muito, apontam para a ideia de que as explicações históricas não possuem a mesma estrutura das explicações cientificas. 
Duas respostas a essa objeção, com relação às leis gerais, podem ser feitas: 
1)  Apesar do conhecimento histórico se afastar de explicações cientificamente fundadas, os historiadores costumam defender certo ideal científico  quando do confronto de versões.  Por exemplo, quando duas ou mais explicações sobre um evento histórico "X" entram em choque, os historiadores costumam apelar para a comprovação  empírica das fontes históricas. 
2)  Mesmo nas ciências naturais, as leis universais e as relações dedutivas devem, frequentemente, ceder algo a hipóteses probabilísticas e a relações indutivas; com efeito, as leis a que se pode recorrer muitas vezes não são universais, mas estatísticas ou probabilísticas.  Desse modo, o conhecimento histórico se adequaria melhor à estrutura probabilística que é um uma versão mais esbatida do modelo científico. 
Mesmo atenuada, a tese positivista foi e continua sendo muito atacada por conta, entre outros, da insistência  de se entender a explicação histórica do mesmo modo como se entende a explicação científica advinda das ciências naturais, notadamente a Física.  No século XX, uma série de teóricos da história, conhecidos como idealistas, atacaram esse pretenso cientificismo do conhecimento histórico.