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quarta-feira, 29 de abril de 2020
quarta-feira, 15 de abril de 2020
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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020
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HISTÓRIA E MEMÓRIA
Prefácio
Jacques Le Goff [1]
LE GOFF, Jacques, 1924 -
2014
História e memória / Jacques
Le Goff; tradução Bernardo Leitão
... [et al.] -- Campinas,
SP Editora da UNICAMP, 1990.
(Coleção Repertórios)
* Notas de rodapé elaboradas pelo professor Paulo Araujo visando
um melhor didatismo com relação ao curso de “História, gênero e etinicidade”. Também foi realizada uma pequena
revisão textual pelo mesmo professor.
** As páginas entre colchetes “[ ]” referem-se à paginação da obra no
original, publicado pelo Editora Unicamp em 1990.
PREFÁCIO
[pg. 006]
Página em branco [pg.
007]
O conceito de história
parece colocar hoje seis tipos de problemas:
1. Que relações existem
entre a história vivida, a história "natural", senão
"objetiva", das sociedades humanas e o esforço científico para
descrever, pensar e explicar esta evolução, a ciência histórica? O afastamento
de ambas tem, em especial, permitido a existência de uma disciplina ambígua: a
filosofia da história. Desde o início do século, e sobretudo nos últimos vinte
anos, vem se desenvolvendo um ramo da ciência histórica que estuda a evolução
da própria ciência histórica no interior do desenvolvimento histórico global: a
historiografia, ou história da história.
2. Que relações tem a
história com o tempo, com a duração, tanto com o tempo "natural' e cíclico
do clima e das estações quanto com o tempo vivido e naturalmente registrado dos
indivíduos e das sociedades? Por um lado, para domesticar o tempo natural, as
diversas sociedades e culturas inventaram um instrumento fundamental, que é
também um dado essencial da história: o calendário; por outro, hoje os
historiadores se interessam cada vez mais pelas relações entre história e
memória.
3. A dialética da
história parece resumir-se numa oposição – ou num diálogo – passado/presente
(e/ou presente/passado). [pg. 008] Em geral, essa oposição não é neutra mas
subentende, ou exprime, um sistema de atribuição de valores, como por exemplo
nos pares antigo/moderno, progresso/reação. Desde a Antiguidade ao século XVIII
desenvolveu-se, ao redor do conceito de decadência, uma visão pessimista da
história, que voltou a apresentar-se em algumas ideologias da história no
século XX. Já com o Iluminismo, afirmou-se uma visão otimista da história a
partir da ideia de progresso, que agora conhece, na segunda metade do século
XX, uma crise. Tem, pois, a história um sentido? E existe um sentido da
história?
4. A história é incapaz
de prever e de predizer o futuro. Então, como se coloca ela em relação a uma
nova "ciência", a futurologia? Na realidade, a história deixa de ser
científica quando se trata do início e do fim da história do mundo e da
humanidade. Quanto à origem, ela tende ao mito: a idade de ouro, as épocas
míticas ou, sob aparência científica, a recente teoria do Big Bang. Quanto ao final, ela cede o lugar à religião e, em
particular, às religiões de salvação que construíram um "saber dos fins
últimos" – a escatologia –, ou às utopias do progresso, sendo a principal
o marxismo,[2]
que justapõe uma ideologia do sentido e do fim da história (o comunismo, a
sociedade sem classes, o internacionalismo). Todavia, no nível da práxis dos
historiadores, vem sendo desenvolvida uma crítica do conceito de origens e a
noção de gênese tende a substituir a ideia de origem.
5. Em contato com outras
ciências sociais, o historiador tende hoje a distinguir diferentes durações
históricas. Existe um renascer do interesse pelo evento, embora seduza mais a perspectiva
da longa duração. Essa conduziu alguns historiadores, tanto ao uso da noção de
estrutura quanto mediante o diálogo com a antropologia, a elaborar a hipótese
da existência de uma história "quase imóvel". Mas pode existir uma
história imóvel? E que relações tem a história com o estruturalismo (ou os
estruturalismos)? E não existirá também um movimento mais amplo de "recusa
da história"?
6. A ideia da história
como história do homem foi substituída pela ideia da história como história dos
homens em sociedade. Mas será que existe, se é que pode existir, somente uma [pg.
009] história do homem? Já se desenvolveu uma história do clima – não se
deveria escrever também uma história da natureza?
1) Desde o seu nascimento
nas sociedades ocidentais – nascimento tradicionalmente situado na Antiguidade
grega (Heródoto, no século V. a.C., seria, senão o primeiro historiador, pelo
menos o "Pai da História"), mas que remonta a um passado ainda mais
remoto, nos impérios do Próximo e do Extremo Oriente –, a ciência histórica se
define em relação a uma realidade que não é nem construída nem observada como
na matemática, nas ciências da natureza e nas ciências da vida, mas sobre a
qual se "indaga", se "testemunha". Tal é o significado do
termo grego e da sua raiz indo-européia wid-,
weid- "ver". Assim, a
história começou como um relato, a narração daquele que pode dizer "Eu vi,
senti". Este aspecto da história-relato, da história-testemunho, jamais
deixou de estar presente no desenvolvimento da ciência histórica.
Paradoxalmente, hoje se assiste à crítica deste tipo de história pela vontade
de colocar a explicação no lugar da narração. Mas também, ao mesmo tempo,
presencia-se o renascimento da história-testemunho pelo "retorno do
evento” (Nora)[3]
ligado às novas mídias, ao surgimento de jornalistas entre os historiadores e
ao desenvolvimento da "história imediata".
Contudo, desde a
Antiguidade, a ciência histórica, reunindo documentos escritos e fazendo deles
testemunhos, superou o limite do meio século ou do século abrangido pelos
historiadores que dele foram testemunhas oculares e auriculares. Ela
ultrapassou também as limitações impostas pela transmissão oral do passado. A
constituição de bibliotecas e de arquivos forneceu, assim, os materiais da
história. Foram elaborados métodos de crítica científica, conferindo à história
um dos seus aspectos de ciência em sentido técnico, a partir dos primeiros e
incertos passos da Idade Média (Guenée)[4], mas sobretudo depois do
final do século XVII com Du Cange[5], Mabillon[6] e os beneditinos de
Saint-Maur, Muratori[7], etc. Portanto, não se tem
história sem erudição. Mas do mesmo modo que se fez no século XX a crítica da
noção de fato histórico, que não é um objeto dado e acabado, pois resulta da
construção do historiador, também se faz hoje a crítica da noção de documento,
que não é um material bruto, objetivo e [pg. 010] inocente, mas que exprime o
poder da sociedade do passado sobre a memória e o futuro: o documento é
monumento (Foucault [8] e Le Goff [9]). Ao mesmo tempo
ampliou-se a área dos documentos, que a história tradicional reduzia aos textos
e aos produtos da arqueologia, de uma arqueologia muitas vezes separada da
história. Hoje os documentos chegam a abranger a palavra, o gesto.
Constituem-se arquivos orais; são coletados etnotextos. Enfim, o próprio
processo de arquivar os documentos foi revolucionado pelo computador. A
história quantitativa, da demografia à economia até o cultural, está ligada aos
progressos dos métodos estatísticos e da informática aplicada às ciências
sociais.
O afastamento existente
entre a "realidade histórica" e a ciência histórica permitiu a
filósofos e historiadores propor – da Antiguidade até hoje – sistemas de
explicação global da história (para o século XX, e em sentidos extremamente
diferentes, podem ser lembrados Spengler,[10] Weber,[11] Croce,[12] Gramsci,[13] Toynbee,[14] Aron,[15] etc.). A maior parte dos
historiadores manifesta uma desconfiança mais ou menos marcada em relação à
filosofia da história; porém, não obstante isso, eles não se voltam para o
positivismo, triunfante na historiografia alemã (Ranke)[16] ou francesa (Langlois[17] e Seignobos[18]) no final do século XIX e
início do XX. Entre a ideologia e o pagamento eles são os defensores de uma
história-problema (Febvre)[19].
Para captar o desenrolar
da história e fazer dela o objeto de uma verdadeira ciência, historiadores e
filósofos, desde a Antiguidade, esforçaram-se por encontrar e definir as leis
da história. As tentativas mais estimulantes e que sofreram a falência
estrondosa são as velhas teorias cristãs do providencialismo (Bossuet)[20] e o marxismo vulgar, que
insiste – não obstante Marx não falar de leis da história (como acontece com
Lênin), – em fazer do materialismo histórico uma pseudociência do determinismo
histórico, cada vez mais desmentida pelos fatos e pela reflexão histórica.
Em compensação, a
possibilidade de uma leitura racional a posteriori da história, o reconhecimento
de certas regularidades no seu decurso (fundamento de um comparatismo da
história das diversas sociedades e das diferentes estruturas), a elaboração
[pg. 011] de modelos que excluem a existência de um modelo único (o alargamento
da história do mundo no seu conjunto, a influência da etnologia, a
sensibilidade para as diferenças e em relação ao outro caminham neste sentido)
permitem excluir o retorno da história a um mero relato.
As condições nas quais
trabalha o historiador explicam ademais o porquê se tenha colocado e se ponha
sempre o problema da objetividade do historiador. A tomada de consciência da
construção do fato histórico, da não-inocência do documento, lançou uma luz
reveladora sobre os processos de manipulação que se manifestam em todos os
níveis da constituição do saber histórico. Mas esta constatação não deve
desembocar num ceticismo de fundo a propósito da objetividade histórica e num
abandono da noção de verdade em história; pelo contrário, os contínuos êxitos
no desmascaramento e na denúncia das mistificações e das falsificações da
história permitem um relativo otimismo a esse respeito.
Isso não impede que o
horizonte da objetividade, que deve ser o do historiador, não deva ocultar o
fato de que a história é também uma prática social (Certeau)[21] e que se devem ser
condenadas as posições que, na linha de um marxismo vulgar ou de um
reacionarismo igualmente vulgar, confundem ciência histórica e empenho
político, é legítimo observar que a leitura da história do mundo se articula
sobre uma vontade de transformá-lo (por exemplo, na tradição revolucionária
marxista, mas também em outras perspectivas, como aquelas dos herdeiros de
Tocqueville[22]
e de Weber, que associam estreitamente análise histórica e liberalismo
político).
A crítica da noção de
fato histórico tem, além disso, provocado o reconhecimento de
"realidades" históricas negligenciadas por muito tempo pelos
historiadores. Junto à história política, à história econômica e social, à
história cultural, nasceu uma história das representações. Esta assumiu formas
diversas: história das concepções globais da sociedade ou história das
ideologias; história das estruturas mentais comuns a uma categoria social, a
uma sociedade, a uma época, ou história das mentalidades; história das
produções do espírito ligadas não ao texto, à palavra, ao gesto, mas à imagem,
ou história do imaginário, [pg. 012] que permite tratar o documento literário e
o artístico como documentos históricos de pleno direito, sob a condição de
respeitar sua especificidade; história das condutas, das práticas, dos rituais,
que remete a uma realidade oculta, subjacente, ou história do simbólico, que
talvez conduza um dia a uma história psicanalítica, cujas provas de estatuto
científico não parecem ainda reunidas. Enfim, a própria ciência histórica, com
o desenvolvimento da historiografia, ou história da história, é colocada numa
perspectiva histórica.
Todos os novos setores da
história representam um enriquecimento notável, desde que sejam evitados dois
erros: antes de mais nada, subordinar a história das representações a outras
realidades, as únicas às quais caberia um status de causas primeiras (realidade
materiais, econômicas) – renunciar, portanto, à falsa problemática da
infra-estrutura e da superestrutura. Mas também não privilegiar as novas
realidades, não lhes conferir, por sua vez, um papel exclusivo de motor da
história. Uma explicação histórica eficaz deve reconhecer a existência do
simbólico no interior de toda realidade histórica (incluída a econômica), mas
também confrontar as representações históricas com as realidades que elas
representam e que o historiador apreende mediante outros documentos e métodos –
por exemplo, confrontar a ideologia política com a práxis e os eventos
políticos. E toda história deve ser uma história social.
Por fim, o caráter
"único" dos eventos históricos, a necessidade do historiador de
misturar relato e explicação fizeram da história um gênero literário, uma arte
ao mesmo tempo que uma ciência. Se isso foi válido da Antiguidade até o século
XIX, de Tucídides[23] a Michelet[24], é menos verdadeiro para
o século XX. O crescente tecnicismo da ciência histórica tornou mais difícil
para o historiador parecer também escritor. Mas existe sempre uma escritura da
história.
2) Matéria fundamental da
história é o tempo; portanto, não é de hoje que a cronologia desempenha um
papel essencial como fio condutor e ciência auxiliar da história. O instrumento
principal da cronologia é o calendário, que vai muito além do âmbito do
histórico, sendo mais que nada o quadro temporal do funcionamento da sociedade.
O calendário revela o esforço realizado [pg. 013] pelas sociedades humanas para
domesticar o tempo natural, utilizar o movimento natural da lua ou do sol, do
ciclo das estações, da alternância do dia e da noite. Porém, suas articulações
mais eficazes – a hora e a semana – estão ligadas à cultura e não à natureza. O
calendário é o produto e expressão da história: está ligado às origens míticas e
religiosas da humanidade (festas), aos progressos tecnológicos e científicos
(medida do tempo), à evolução econômica, social e cultural (tempo do trabalho e
tempo de lazer). Ele manifesta o esforço das sociedades humanas para
transformar o tempo cíclico da natureza e dos mitos, do eterno retorno, num
tempo linear escandido por grupos de anos: lustro, olimpíadas, século, eras,
etc. À história estão intimamente conectados dois progressos essenciais: a
definição de pontos de partida cronológicos (fundação de Roma, era cristã,
hégira e assim por diante) e a busca de uma periodização, a criação de unidades
iguais, mensuráveis, de tempo: dia de vinte e quatro horas, século, etc.
Hoje, a aplicação à
história dos dados da filosofia, da ciência, da experiência individual e
coletiva tende a introduzir, junto destes quadros mensuráveis do tempo
histórico, a noção de duração, de tempo vivido, de tempos múltiplos e
relativos, de tempos subjetivos ou simbólicos. O tempo histórico encontra, num
nível muito sofisticado, o velho tempo da memória, que atravessa a história e a
alimenta.
3-4) A oposição
passado/presente é essencial na aquisição da consciência do tempo. Para a
criança, "compreender o tempo significa libertar-se do presente"
(Piaget)[25],
mas o tempo da história não é nem o do psicólogo nem o do linguista. Todavia, o
exame da temporalidade nestas duas ciências reforça o fato de que a oposição
presente/passado não é um dado natural mas sim uma construção. Por outro lado,
a constatação de que a visão de um mesmo passado muda segundo as épocas e que o
historiador está submetido ao tempo em que vive, conduziu tanto ao ceticismo
sobre a possibilidade de conhecer o passado quanto a um esforço para eliminar
qualquer referência ao presente (ilusão da história romântica à maneira de
Michelet – "a ressurreição integral do passado” – ou da história
positivista a la Ranke – "aquilo
que realmente aconteceu”). Com efeito, o interesse do passado [pg. 014] está em
esclarecer o presente; o passado é atingido a partir do presente (método
regressivo de Bloch[26]). Até o Renascimento e
mesmo até o final do século XVIII, as sociedades ocidentais valorizaram o
passado, o tempo das origens e dos ancestrais surgindo para eles como uma época
de inocência e felicidade. Imaginaram-se eras míticas: idades-do-ouro, o
paraíso terrestre... a história do mundo e da humanidade aparecia como uma
longa decadência. Esta ideia de decadência foi retomada para exprimir a fase
final da história das sociedades e das civilizações; ela se insere num
pensamento mais ou menos cíclico da história (Vico,[27] Montesquieu,[28] Gibbon,[29] Spengler, Toynbee) e é em
geral o produto de uma filosofia reacionária da história, um conceito de
escassa utilidade para a ciência histórica. Na Europa do final do século XVII e
primeira metade do XVIII, a polêmica sobre a oposição antigo/moderno, surgida a
propósito da ciência, da literatura e da arte, manifestou uma tendência à
reviravolta da valorização do passado: antigo tornou-se sinônimo de superado, e
moderno de progressista. Na realidade, a ideia de progresso triunfou com o
Iluminismo e desenvolveu-se no século XIX e início do XX, considerando
sobretudo os progressos científicos e tecnológicos. Depois da Revolução
Francesa, à ideologia do progresso foi contraposto um esforço de reação, cuja
expressão foi sobretudo política, mas que se baseou numa leitura
"reacionária" da história. Em meados do século XX, os fracassos do
marxismo e a revelação do mundo stalinista[30] e do gulag, os horrores
do fascismo e principalmente do nazismo e dos campos de concentração, os mortos
e as destruições da Segunda Guerra Mundial, a bomba atômica – primeira
encarnação histórica "objetiva" de um possível apocalipse –, a
descoberta de culturas diversas do ocidente conduziram a uma crítica da ideia
de progresso (recorde-se La crise du
progrès de Friedmann,[31] publicada em 1936). A
crença num progresso linear, contínuo, irreversível, que se desenvolve segundo
um modelo em todas as sociedades, já quase não existe. A história que não domina
o futuro passa a defrontar-se com crenças que conhecem hoje um grande revival: profecias, visões em geral
catastróficas do fim do mundo ou, pelo contrário, revoluções iluminadas, como
as invocadas pelos milenarismos tanto nas seitas das sociedades ocidentais,
quanto em certas sociedades do Terceiro Mundo. É o retorno da escatologia. [pg.
015]
Mas a ciência da natureza
e, em particular, a biologia mantêm uma concepção positiva, se bem que
atenuada, do desenvolvimento enquanto progresso. Essas perspectivas podem
aplicar-se às ciências sociais e à história. Assim, a genética tende a
recuperar a ideia de evolução e progresso, porém, dando mais espaço ao evento e
às catástrofes (Thompson)[32]: a história tem todo o
interesse em inserir na sua problemática a ideia de gênese - dinâmica – no
lugar daquela, passiva, das origens, que Bloch já criticava.
5) Na atual renovação da
ciência histórica, que se acelera, quanto mais não seja ao menos na difusão (o
incremento essencial veio com a revista “Annales”, fundada por Bloch e Febvre
em 1929), um papel importante é desempenhado por uma nova concepção do tempo
histórico. A história seria feita segundo ritmos diferentes e a tarefa do
historiador seria, primordialmente, reconhecer tais ritmos. Em vez do estrato
superficial, o tempo rápido dos eventos, mais importante seria o nível mais
profundo das realidades que mudam devagar (geografia, cultura material,
mentalidades: em linhas gerais, as estruturas) – trata-se do nível das
"longas durações" (Braudel[33]). O diálogo dos historiadores
da longa duração com as outras ciências sociais e com as ciências da natureza e
da vida – a economia e a geografia ontem, a antropologia, a demografia e a
biologia hoje – conduziu alguns deles à ideia de uma história "quase
imóvel" (Braudel, Le Roy Ladurie[34]). Colocou-se então a
hipótese de uma história imóvel. Mas a antropologia histórica caminha no
sentido contrário da ideia de que o movimento, a evolução se encontrem em todos
os objetos de todas as ciências sociais, pois seu objeto comum são as
sociedades humanas (sociologia, economia mas também antropologia). Quanto à
história, ela só pode ser uma ciência da mutação e da explicação da mudança.
Com os diversos estruturalismos, a história pode ter relações frutíferas sob
duas condições:
a) não esquecer que as
estruturas por ela estudadas são dinâmicas;
b) aplicar certos métodos
estruturalistas ao estudo dos documentos históricos, à análise dos textos (em
sentido amplo), não à explicação histórica propriamente dita.
Todavia podemos
perguntar-nos se a moda do estruturalismo não está ligada a uma certa recusa da
história concebida como ditadura do passado, justificativa da
"reprodução" (Bourdieu)[35], poder de [pg. 016]
repressão. Mas também na extrema esquerda reconheceu-se que seria perigoso
fazer "tábula rasa do passado" (Chesneaux)[36]. O "fardo da
história" no sentido "objetivo" do termo (Hegel)[37], pode e deve encontrar o
seu contrapeso na ciência histórica como "meio de libertação do
passado" (Arnaldi)[38].
6) Ao fazer a história de
suas cidades, povos, impérios, os historiadores da Antiguidade pensavam fazer a
história da humanidade. Os historiadores cristãos, os historiadores do
Renascimento e do Iluminismo (não obstante reconhecessem a diversidade dos
"costumes") pensavam estar fazendo a história do homem. Os
historiadores modernos observam que a história é a ciência da evolução das
sociedades humanas. Mas a evolução das ciências levou a pôr-se o problema de
saber se não poderia existir uma história diferente daquela do homem. Já se
desenvolveu uma história do clima; contudo, ela apresenta um certo interesse
para a história só na medida em que esclarece certos fenômenos da história das
sociedades humanas (modificação das culturas, do habitat, etc.). Agora se pensa
numa história da natureza (Romano)[39], mas ela reforçará sem
dúvida o caráter "cultural" – portanto, histórico – da noção de
natureza. Assim, através das ampliações do seu âmbito, a história se torna
sempre coextensiva em relação ao homem.
Hoje, o paradoxo da
ciência histórica é que justamente quando, sob suas diversas formas (incluindo
o romance histórico), ela conhece uma popularidade sem par nas sociedades
ocidentais, e logo quando as nações do Terceiro Mundo se preocupam antes de
mais nada em dotar-se de uma história – o que de resto talvez permita tipos de
histórias extremamente diferentes daqueles que os ocidentais definem como tal
–, se a história tornou-se, portanto, um elemento essencial da necessidade de
identidade individual e coletiva, logo agora a ciência histórica sofre uma
crise (de crescimento?): no diálogo com as outras ciências sociais, no
alargamento considerável de seus problemas, métodos, objetos, ela se pergunta
se não começa a perder-se.
Tradução: Nilson
Moulin Louzada
[1]
Jaques Le Goff pode ser considerado um dos maiores historiadores do século XX e
também um dos mais importantes teóricos da pesquisa histórica.
Utilizei a fonte disponível
na internet do grupo Digital Source,
cujo empreendimento busca proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o
benefício de sua leitura àqueles que não podem comprar a obra ou àqueles que
necessitam de meios eletrônicos para ler.
Por ser um empreendimento
gratuito, com interesses de divulgar o conhecimento, o trabalho de revisão
textual possui alguns problemas, creio que por falta de um maior
profissionalismo, algo até certo ponto compreensível.
Para tentar superar esse
problema, fiz um pequeno trabalho de revisão, assim como de notação, no Prefácio
para deixar o texto menos problemático e acessível a quem não possui, ainda, o
devido preparo acadêmico para apreciar adequadamente o texto de Jacques Le Goff.
[2]
O autor se refere, obviamente, ao pensamento de Karl Marx. Marx (1818 – 1883) foi
um importante intelectual do século XIX. Ele foi filósofo, historiador e sociólogo
alemão que influenciou fortemente os debates em teoria da história,
principalmente com relação ao determinismo histórico.
[3]
NORA, Pierre: historiador francês nascido em 1931. Autor ligado à Nova História
e referência importante acerca das relações entre História e Memória.
[4]
GUENÉE, Bernard: historiador francês nascido em 1927, interessado, entre
outros, nas relações entre História e Cultura.
[5]
DU CANGE foi um historiador francês. Du Cange (1610 – 1688) mostrou a
importância da Arqueologia, da Geografia e mesmo do Direito para a pesquisa
histórica.
[6]
MABILLON, Jean: monge beneditino e historiador francês. Mabillon (1632 – 1707)
foi um importante erudito e antiquarista. Sua obra mais influente foi a
monumental Vidas dos santos beneditinos,
publicada em 1668.
[7]
MURATORI, Ludovicus Antonius: filósofo e historiador italiano. Muratori (1672 –
1750) é considerado o fundador da historiografia italiana.
[8]
FOUCAULT, Michel: foi um filósofo e historiador francês (1926 – 1984). É
considerado um dos principais representantes do movimento pós-moderno do século
XX.
[9]
LE GOFF, Jacques (1924 – 2014). Le Goff foi um historiador francês e é
considerado um dos maiores historiadores da contemporaneidade. Em teoria da
História, destacamos a obra História e
Memória de 1988.
[10]
SPENGLER, O. A. Gottfried. Ele foi um
filósofo e historiador alemão. Spengler (1880 – 1936) publicou o declínio do ocidente em 1918,
influenciando importantes debates em teoria da história. Spengler foi
considerado inimigo pelos nazistas porque ele não aceitava a ideia nazista de
superioridade racial.
[11]
WEBER, Max: filósofo e sociólogo alemão, foi um dos fundadores da disciplina
Sociologia. Weber (1864 – 1920) é autor do clássico A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904).
[12]
CROCE, Benedetto: foi um filósofo e historiador italiano. Croce (1866 – 1952)
influenciou intelectuais como Antonio Gramsci.
[13]
GRAMSCI, Antonio: foi um intelectual italiano. Gramsci (1891 – 1937) foi
capturado pelo regime fascista de Mussolini.
[14]
TOYNBEE, A. Joseph: foi um historiador britânico. Toynbee (1889 – 1975) escreveu
Um estudo de história, obra na qual
Toynbee propunha uma explicação histórica universal em que todas as
civilizações passariam pelos mesmos estágios históricos.
[15]
ARON, Raymond: foi um importante teórico da história francês do século XX. Aron
(1905 – 1983) se debruçou, entre outros, sobre os limites da objetividade da
explicação histórica.
[16]
RANKE, Leolpold von: é considerado o pai da história científica. Ranke (1795 –
1886) é considerado um dos maiores historiadores alemães, ele escreveu O conceito de história universal em que
mostra claramente seis exigências que deveriam nortear a pesquisa histórica.
- Para maiores informações
sobre Ranke e o positivismo na história, consultar o BLOG DO PROFESSOR
PAULO:
[17]
LANGLOIS, Charles-Victor: foi um historiador francês que propôs um método de
pesquisa histórica. Langlois (1863 – 1929) defendeu o uso de técnicas
científicas para a pesquisa histórica, conjuntamente com Seignobos.
[18]
SEIGNOBOS, Charles: foi um historiador francês especializado na Terceira
República Francesa. Seignobos (1854 – 1942) defendeu o uso de técnicas
científicas para a pesquisa histórica, conjuntamente com Langlois.
[19]
FEBVRE, Lucien: foi um importante historiador francês cujas ideias tiveram
forte impacto nos estudos históricos. Febvre (1878 – 1956) foi um dos
fundadores da Escola dos Annales.
- Para maiores informações
sobre a Escola dos Annales, consultar o BLOG DO PROFESSOR PAULO:
[20]
BOSSUET, Jacques-Bénigne: foi um teólogo francês do século XVII, defensor do
direito divino dos reis. Bossuet (1627 – 1704) influenciou os estudos
históricos com a obra Discours sur
l'histoire universelle (Discurso
sobre a história universal) na qual defende uma história impulsionada por
certas leis.
[21]
CERTEAU, Michel de: foi um filósofo e historiador francês. Certeau (1925 – 1986)
se interessou pelas relações entre ciências sociais, psicanálise e história.
[22]
TOCQUEVILLE, Alexis de: foi um historiador e pensador político francês do
século XIX, defensor do liberalismo. Tocqueville (1805 – 1859) foi um defensor
da ideia de um progresso histórico.
[23]
TUCÍDIDES: é considerado o segundo historiador, logo após Heródoto, o Pai da
História. Tucídides (séc. V a.C) é considerado o pai do rigor histórico,
centrado na busca dos fatos puros.
[24]
MICHELET, Jules: foi um filósofo e historiador francês que publicou História da França. Michelet (1798 –
1874) é lembrado, entre outros, pelas discussões sobre as relações entre
história e literatura.
[25]
PIAGET, Jean W. F. : foi um biólogo e psicólogo suíço. Piaget (1896 – 1980) é
atualmente muito importante nos estudos sobre aprendizagem, pedagogia,
psicologia moral entre outros.
[26]
BLOCH, Marc: foi um historiador francês que fundou a Escola dos Annales
juntamente com Lucien Febvre. Bloch (1866 – 1944) foi fuzilado pelo regime
nazista em 1944.
- Para maiores informações
sobre a Escola dos Annales, consultar o BLOG DO PROFESSOR PAULO:
[27]
VICO, Giambattista: foi um filósofo e historiador italiano, autor da obra Ciência Nova de 1725; essa obra
influenciou fortemente os debates em teoria da história. Vico (1668 – 1744) foi
um defensor da história universal e um crítico de certos aspectos do projeto
iluminista.
[28]
MONTESQUIEU foi um filósofo e político francês que defendeu a separação dos
poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), algo amplamente aplicado em
várias democracias ocidentais na atualidade. Montesquieu (1689 – 1755) publicou
o Espírito das leis em 1748, obra
influenciada pelos escritos políticos do filósofo John Locke e que influenciou
o pensamento liberal norte-americano, por exemplo.
[29]
GIBBON, Edward: foi um historiador inglês do século XVIII. Gibbon (1737 – 1794)
começou a escrever a obra A História do
Declínio e Queda do Império Romano em 1776, finalizada em 1788. Essa obra é
considerada a primeira obra de História Moderna por, entre outros, valorizar
mais as realizações humanas dentro do tempo do que as explicações de tipo
religiosas.
[30]
STALIN, Josef: foi um dos personagens centrais da Revolução Russa de 1917. Stalin
(1878 – 1953) seguiu certas linhas do marxismo-leninismo no seu governo.
[31]
FRIEDMANN, Georges: foi um historiador e sociólogo francês do século XX.
Friedmann (1902 – 1977) foi um crítico da automação e mecanização advindas da
Revolução Industrial; segundo ele mesmo, sua crítica foi direcionada a um tipo
de “civilização tecnicista”. Friedmann também é considerado o fundador da
Sociologia do Trabalho na França.
[32]
Sir John Eric Sidney THOMPSON: foi um arqueologista e historiador inglês do
século XX. Thompson (1898 – 1975) escreveu O
nascimento e queda da civilização maia em 1954. Nessa obra, Thompson defende
que o declínio da civilização maia deve ser entendida e estudada à luz das
particularidades dessa civilização. Assim, Thompson foi um crítico de
explicações generalistas ou universalistas da história.
[33]
BRAUDEL, Fernand: foi um historiador francês e o principal representante da
segunda geração da Escola dos Annales. Braudel (1902 – 1985) publicou a
influente obra O Mediterrâneo e o Mundo
Mediterrâneo na Época de Filipe II em 1949. Nessa obra Braudel elabora uma
complexa teoria do tempo baseada no tempo geográfico, no tempo de longa duração
e no tempo dos homens, ou, como Braudel chama, no tempo dos eventos, “histoire événementielle”.
[34]
LE ROY LADURIE, Emmanuel Bernard: nascido em 1929, Ladurie é um historiador
francês que estabeleceu relações interessantes entre a história natural e a
história humana.
[35]
BOURDIEU, Pierre Félix: foi um filósofo e sociólogo francês. Bourdieu (1930 –
2002) defendeu que as estruturas históricas são dinâmicas e criticou a ideia de
uma explicação absoluta para o chamado “fato” histórico.
[36]
CHESNEAUX, Jean: foi um historiador francês, especialista na história da Ásia
Oriental. Chesneaux (1922 – 2007) notou a importância da globalização,
inserindo essa problemática nas explicações históricas.
[37]
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich: foi um importante filósofo alemão que formulou
uma das mais influentes e comentadas filosofias da história. Hegel (1770 –
1831) fez parte do Idealismo Alemão. O filósofo alemão defendia uma história
teleológica.
[38]
ARNALDI, Girolamo: foi um historiador italiano que se especializou em História
Medieval. Arnaldi (1929 – 2016) contribuiu para as discussões sobre o papel da
historiografia.
[39]
ROMANO, Ruggiero: foi um historiador econômico do século XX. Romano (1923 –
2002) teve aproximações com a Escola dos Annales por meio de Fernand Braudel.
- Para maiores informações sobre a Escola dos
Annales, consultar o BLOG DO PROFESSOR PAULO:
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