segunda-feira, 12 de outubro de 2009

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA (C1): FILOSOFIA MODERNA

FILOSOFIA MODERNA: LINKS PARA VÍDEOS

INTRODUÇÃO

Existe um certo consenso de que a FILOSOFIA MODERNA começa, de fato, no século XVII, mais especificamente com a filosofia de RENÉ DESCARTES (1596-1650). Mais controverso é estabelecer o fim da modernidade. Costuma-se demarcar o fim da modernidade com o fim do século XIX, mais especificamente com a filosofia de FRIEDRICH NIETZSCHE (1844-1900). Desse modo, consideraremos que a Filosofia Moderna começa no século XVII e termina no século XIX. Importante ressaltar que a "periodização" da Filosofia em três períodos (Filosofia Antiga, Filosofia Medieval e Filosofia Moderna) foi estabelecida por GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL (1770-1831). Essa periodização é didaticamente útil como um primeiro ponto de apoio.
Outro ponto de apoio importante para entender a Filosofia Moderna é perceber os acontecimentos históricos que estruturaram a modernidade. Destacaremos três acontecimentos que serviram de pano de fundo para o pensamento moderno: o HUMANISMO RENASCENTISTA, a REFORMA PROTESTANTE e a REVOLUÇÃO CIENTÍFICA.





I - RACIONALISMO versus EMPIRISMO

Como afirmado, RENÉ DESCARTES é considerado o primeiro filósofo tipicamente moderno. Podemos entender parte de sua filosofia como sendo uma resposta ao CETICISMO. Não obstante, DESCARTES é considerado, por vezes, um grande cético.
Uma das preocupações da filosofia cartesiana é justamente estabelecer uma ponte entre a mente e o mundo, ou seja, entre algo que sou "eu" e algo que não sou "eu", ou ainda, a tentativa é estabelecer uma ponte entre o mundo subjetivo e o mundo objetivo. Para tanto, Descartes recorrerá ao que ele chama de
MÉTODO. Esse método visa criar um caminho para o conhecimento verdadeiro.
A partir do
ARGUMENTO DO COGITO, pode-se afirmar que os sentidos estruturam parte do nosso conhecimento do mundo externo, mas nossos sentidos não são guias confiáveis para afirmar que o mundo estruturado pelos nossos sentidos é de fato o mundo verdadeiro. Os sentidos (audição, olfato, paladar, tato, visão) costumam nos enganar. Não só isso, nossos sentidos podem ser considerados pífios quando se pensa na realidade complexa do mundo exterior.

Para exemplificar isso, prestemos atenção na explicação que Morpheus oferece a Neo acerca do que seja a realidade. Essa explicação se encontra no filme
MATRIX.






















Descartes é um dos principais representantes do racionalismo na modernidade. Resumidamente, podemos considerar que a epistemologia cartesiana - ou teoria do conhecimento cartesiana - é fortemente baseada em evidências consideradas apriorísticas. Exemplificando, para criar um ponte confiável entre mente e mundo, o filósofo francês necessita não só do "eu" que pensa, ele necessita de Deus. Nesse momento, Descartes se apropria do Argumento Ontológico de Santo Anselmo [ver, neste Blog, o ARGUMENTO ONTOLÓGICO na postagem "INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: FILOSOFIA MEDIEVAL"] para mostrar a existência de Deus. Como sabemos, o Argumento Ontológico é supostamente um argumento a priori, no sentido de não necessitar do mundo externo para a sua comprovação.
O racionalismo cartesiano foi duramente criticado pelos empiristas. O EMPIRISMO é a teoria do conhecimento - ou epistemologia - que defende que a experiência deve guiar o conhecimento. Experiência, aqui, pode ser entendida no sentido mais comum; é a experiência relacionada aos nossos sentidos: audição, gustação, olfato, paladar e tato. Ou seja, o conhecimento passa pelos sentidos. Assim, a Filosofia Moderna pode ser entendida como um embate entre RACIONALISMO VERSUS EMPIRISMO.
A escola empirista fou muito influente na Inglaterra. Dois dos seus maiores representantes foram JOHN LOCKE (1632-1704) e DAVID HUME (1711-1776). Para LOCKE, não existem ideias soltas. Por ideias soltas, entenda-se ideias inatas as quais prescindem da experiência. Toda ideia, para os empiristas, vem do mundo sensível. Nesse sentido, a mente é como uma "tabula rasa", ou uma folha em branco, que vai sendo preenchida pela experiência. Todavia, a mente possui uma estrutura capaz de trabalhar esses dados dos sentidos por meio da reflexão. De certo modo, o manuseio desses dados é semelhante ao método cartesiano, visto anteriormente.
Locke discorda veementemente do "eu" do conhecimento cartesiano. Para o filósofo inglês, o sujeito que pensa não é a "medida de todo o conhecimento". Ou seja, existem qualidades no mundo que independem da percepção subjetiva. Por conta disso, Locke divide as qualidades em primárias e secundárias.
As QUALIDADES PRIMÁRIAS são qualidades objetivas, no sentido de serem qualidades inerentes ao objeto. Exemplos desse tipo de qualidade: forma, extensão e volume. Assim, o tamanho do planeta Terra aponta para uma medida objetiva, essa independe da estrutura sensória do sujeito.
As QUALIDADES SECUNDÁRIAS são qualidades subjetivas, no sentido de serem qualidades inerentes a um sujeito específico. Exemplos desse tipo de qualidade: cor (visão), odor (olfato), textura (tato) e sabor (gustação). Assim, se o gosto do alho é bom ou ruim, isso depende da percepção gustativa - gosto - de quem prova. As Qualidades Secundárias dependem da relação sujeito e objeto.
DAVID HUME, outro importante representante do empirismo, também acha que as ideias nascem da experiência sensível. Analisaremos três maneiras de como Hume ataca o racionalismo cartesiano. O filósofo escocês ataca Descartes mais diretamente com relação ao "eu" cartesiano, que chamaremos de a Teoria da Identidade Pessoal Cartesiana. A outra crítica diz respeito às ideias complexas que pode ser considerada uma crítica a apriorismos (ideias a priori) que rementem ao Argumento Ontológico. Vimos que Descartes também se utiliza do Argumento Ontológico para "salvar" a realidade externa. Por fim, Hume ataca a ideia de causalidade - causa e efeito - tão importante na compreensão do mundo. Mais acuradamente, o "eu" cartesiano não passa de um feixe de percepções em que as percepções sensíveis mudam constantemente. Assim, não existe um "eu" puro ou um pensamento puro.
Com relação às ideias complexas - como a ideia contida no Argumento Ontológico de Santo Anselmo de que "Deus é aquele do qual nada maior pode ser pensado" -, Hume achava que essas eram derivações de ideias simples, apreensíveis por meio de experiências simplórias. Por exemplo, a ideia de infinito advém da ideia de unidade, a qual origina quantidades, as quais, por sua vez, quando maximizadas, originaram a ideia do infinito.
Por fim, a causalidade, para HUME, não está no mundo. A causalidade é apenas um hábito mental que só psicologicamente estrutura o mundo. Assim, afirmar que "o sol nascerá amanhã" é uma sentença baseada num hábito, num costume de se perceber isso preteritamente. Ou, na melhor das hipóteses, essa afirmação pode ser considerada, no máximo, como altamente provável, mas não pode ser considerada de fato um conhecimento verdadeiro.




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II - CONTRATUALISMO MODERNO

Outro importante aspecto da Filosofia Moderna foi o pensamento político. O pensamento político moderno tende a aceitar o individualismo, a livre iniciativa e a liberdade individual. Assim, o homem será considerado o elemento estruturador da Filosofia Política. Para tanto, se recorrerá à ideia duma natureza humana que possui elementos considerados instintivos e elementos, digamos, sociais.
Por que o homem vive em sociedade? Essa pergunta norteará parte dos trabalhos dos três contratualistas que veremos a seguir. THOMAS HOBBES (1588-1679), JOHN LOCKE (1632-1704) e JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712-1778) são considerados os três contratualistas clássicos.

A principal obra política de THOMAS HOBBES é "O LEVIATÃ", escrita em 1651. Nessa obra, Hobbes estrutura boa parte do seu contratualismo no individualismo e no egoísmo humanos.

O individualismo, em termos gerais, aponta para, pelo menos, três elementos:


1) os interesses individuais estão acima dos interesses sociais

2) existem direitos individuais

3) a liberdade humana


Para Hobbes, a natureza humana é essencialmente egoísta e com fortes inclinações para a maldade. Essa natureza belicosa impede que os homens confiem um nos outros, criando um clima de instabilidade e isegurança, porque o "homem é o lobo do homem". No Estado de Natureza - situação hipotética que imagina a pré-formação do Estado -, tal como imaginado pelo filósofo inglês, não há leis e um soberano que demande ordem. Nessa situação, os homens vivem de acordo com suas próprias inclinações ou paixões; todavia, os interesses humanos constantemente entram em conflito. Como não há leis no Estado de Natureza, a tendência das pessoas e dos grupos que querem a todo custo realizar os seus desejos é partir para a guerra. Uma "guerra de todos contra todos". Assim, para Hobbes, o Estado de Natureza é igual ao Estado de Guerra.

Psicologicamente, a guerra é insuportável para a maioria das pessoas por causa da eminência da morte violenta. Supõe-se, aqui, que todos queiram, instintivamente, preservar a qualquer custo a própria vida. Desse modo, o indivíduo busca evitar que ele próprio e seus amados morram violentamente. Sendo assim, faz-se necessário sair do Estado de Natureza. Para tanto, será necessário um contrato ou um pacto social. Nesse, se estabelecerão leis e normas para impedir a violência sem limites. Nesse novo arranjo, o assassinato será legalmente punido e isso, supõe-se, inibirá a matança generalizada.
O contrato hobbesiano estabelece que se ganhe a cidadania abrindo-se mão de uma liberdade sem limites. O cidadão perde essa liberdade, mas ganha mais segurança. Assim, o cidadão deve procurar a paz e, também, deve defender-se. A manutenção dessa paz é feita por um soberano absoluto, ou seja, um soberano possuidor não só de amplos poderes políticos, ele também tem o poder de intervir na vida dos seus súditos.
Outro contratualista, o inglês JOHN LOCKE discordará em muitos aspectos do pensamento de Hobbes. A principal obra de LOCKE se chama "DOIS TRATADOS SOBRE O GOVERNO", escrita em 1690. Nessa obra, Locke estruturou, entre outros, o que ficou conhecido como o pensamento liberal clássico. Também, nessa obra foi defendida a secularização do poder e se criticou o direito divino dos reis.
Locke não acreditava que o homem fosse necessariamente mal. Também, para Locke o Estado de Natureza não é necessariamente igual ao Estado de Guerra, como pensava Hobbes. O grande problema do Estado de Natureza é que ele pode se transformar num Estado de Guerra por causa da vingança desproporcional. Assim, o Estado de Natureza pode se tornar contrário às duas leis naturais formuladas por Locke: não destruir a si próprio e não causar dano a outros. A partir desse jusnaturalismo, ou dessas leis naturais, é articulado o contrato social. O contrato visa proteger os bens humanos que, na concepção lockeana, são a vida, a liberdade e a propriedade.
Enfim, para Locke a sociedade civil deve ser um aperfeiçoamento do Estado de Natureza, no sentido de preservar os direitos naturais. Para tanto, o contrato deve assegurar a defesa dos bens humanos.
Por fim, para o filósofo suiço JEAN-JACQUES ROUSSEAU o homem é naturalmente bom; ou seja, a natureza humana é essencialmente boa. O que corrompe o homem é a desigualdade encontrada na sociedade. Desse modo, o Estado de Natureza não é uma "guerra de todos contra todos", pelo contrário, nesse estado o homem vive feliz e perfeitamente integrado à natureza. A sociedade civil tanto é melhor quanto mais ela conseguir preservar a liberdade encontrada no Estado de Natureza. Para ROUSSEAU, o contrato social visa submeter todos à Vontade Geral que conduzirá ao bem comum.
Podemos perceber que HOBBES E ROUSSEAU possuem algumas ideias antagônicas acerca da natureza humana. Mais, enquanto Hobbes é um absolutista, Rousseau é um ferrenho defensor da democracia.
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III - OS ALEMÃES E A CRÍTICA À TRADIÇÃO FILOSÓFICA


No fim da modernidade, alguns filósofos fizeram críticas não ao modo de como se fazia filosofia, mas também ao papel da filosofia. Pegaremos três filósofos emblemáticos, todos alemães, para exemplificar essas críticas: IMMANUEL KANT (1724-1804), KARL MARX (1818-1883) e FRIEDRICH NIETZSCHE (1844-1900). Importante ressaltar que o pensamento desses três filósofos influenciará grandemente o século XX e esse início de século XXI. Basta lembrar que o marxismo influenciou a REVOLUÇÃO RUSSA e seus desdobramentos; ainda hoje, a REVOLUÇÃO RUSSA inspira muitos projetos políticos e sociais. Os escritos de NIETZSCHE inspiraram o EXISTENCIALISMO. Já a ética kantiana é fortemente aceita e discutida nos dias atuais.
A ética kantiana é encontrada em obras como "FUNDAMENTAÇÃO DA METAFÍSICA DOS COSTUMES" de 1785. Para Kant, a Filosofia Moral está no domínio da razão prática, caracterizada pelo uso da liberdade. Ou seja, a moralidade só é possível porque somos livres. Todavia, essa liberdade é racional e universal; universal no sentido de valer para todos os seres racionais. A racionalidade exige certos deveres que funcionam como regras da razão prática. Essas regras são Imperativos - ou mandamentos da razão - , divididos em IMPERATIVOS CATEGÓRICOS e IMPERATIVOS HIPOTÉTICOS. Enquanto o Imperativo Categórico (IC) ordena uma lei moral que vale para todos, o Imperativo Hipotético (IH) encaminha uma ação possível para determinada finalidade; melhor, enquanto o Imperativo Categórico é uma lei objetiva advinda da razão prática, o Imperativo Hipotético é algo subjetivo, mais ligado aos interesses do agente. Exemplo: O IC ordena que sempre falemos a verdade, mesmo que isso acarrete em algo ruim para o agente; já o IH pode apontar para a mentira, principalmente quando falar uma mentira pode implicar em benefícios para o agente.
Nota-se que a ética kantiana - também conhecida por ética deontológica - faz uma separação entre moralidade e as inclinações do agente. Essas inclinações ou desejos são fortemente influenciadas pela busca do prazer. Essa busca pelo prazer está fortemente relacionada com as várias noções de felicidade existentes. Desse modo, Kant faz uma separação entre moralidade e felicidade. Ou seja, ser moral não implica em ser feliz e vice-versa.
KARL MARX, outro filósofo alemão, criticará a tradição filosófica por um viés, digamos, político. Para ele: "Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo". Essa citação, encontrada na obra "XI Tese sobre Feuerbach", pode ser compreendida como uma crítica que os filósofos modernos deram para questões epistêmicas e metafísicas. Podemos entender que Marx ressaltará o papel político da atividade filosófica.
Entre as obras de Marx estão o MANIFESTO COMUNISTA, A IDEOLOGIA ALEMÃ e a obra O CAPITAL. Nessas obras, encontramos críticas a um tipo de filosofia chamada de idealista. Marx critica esse tipo de filosofia por considerar que o idealismo não leva a sério as bases materiais. Por bases materiais, entenda-se os modos de produção econômico como o primitivo, o escravista, o feudal, o capitalista etc.
Outro importante aspecto da filosofia marxista é a noção de IDEOLOGIA. Segundo Marx, as classes dominantes criam uma ideologia - ou falsa realidade - para justamente dominar as classes mais baixas ou menos favorecidas. O desmascaramento ideológico se faz por meio do pensamento crítico. Desse modo, o papel da Filosofia, entendida aqui como Filosofia Crítica, é desmascarar a ideologia. Esse desmascaramento é importante porque propiciará a revolução. Nessa revolução, a classe mais baixa - o proletariado - tomará consciência da sua situação se lançando numa LUTA DE CLASSES, visando se apropriar dos meios de produção. Resumidamente, a liberdade política só é alcançável por cidadãos não alienados de sua condição desfavorável; esse apercebimento levará à luta de classes que culminará com a REVOLUÇÃO.
Por fim, FRIEDRICH NIETZSCHE identificou na tradição filosófica moderna dois elementos vindos da cultura grega. Para ele, os espíritos dos deuses APOLO e DIONISO nortearam a filosofia. Para NIETZSCHE, APOLO representa, entre outros, o equilíbrio, a ordem, a razão; já DIONISO representa, entre outros, a emoção, a embriaguez, a música. A partir dessas caracterizações, Nietzsche entendeu que a Filosofia Moderna representa a vitória do espírito apolíneo sobre o dionisíaco. Todavia, essa vitória não é bem vista porque o espírito apolíneo destrói a criatividade humana. A derrota de Dioniso é a derrota do voluntarismo humano, é a derrota da vida.
Assim, a crítica nietzscheana à Filosofia Moderna está relacionada com a supressão do caráter, digamos, mais intuitivo, criativo e contestador do fazer filosófico. Nietzsche identifica na tradição grega um culpado para a derrota do espírito dionisíaco: Sócrates. O mestre de Platão privilegiou demasiadamente a razão, afastando qualquer traço de espontaneidade criativa do fazer filosófico e, com isso, a filosofia socrática e seus adeptos se afastaram da natureza.
Resumidamente, podemos apreender que o pensamento de Nietzsche é fortemente vitalisata, ou seja, a vida é o mais importante. Com isso, ele entende que a moralidade apenas limita a vida. A moral nada mais é do que um instrumento usado pelos fracos - os negadores da vida - para dominar os mais fortes - ou aqueles que afirmam a vida. Melhor, vidas decadentes se utilizam da moral para combater covardemente vidas ascendentes. Como exemplo de vida decadente, Nietzsche cita o modo de vida cristão.